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Futebol: uma paixão pelo ridículo!*


Quando vejo um estádio de futebol com as pessoas apontando e denunciando um torcedor como aquele que atirou o tênis para dentro do campo para assim livrarem o time que trocem de sofrer uma punição, lembro que é exatamente assim que agem as pessoas dentro de uma ditadura onde o poder superior incute na mente do povo que devem agir como polícia de seus próprios vizinhos e familiares. 

Na Alemanha nazista chegou um momento em que filhos denunciavam os pais, filhas acusavam mães e vizinhos deduravam qualquer vizinho que estivesse agindo contra seu país, isso na visão manipulada pelo poder superior. Não estou nem discutindo o mérito da ação de quem atirou o tênis para dentro do gramado, mas de uma massa que acaba por aceitar e ser subserviente de um poder maior, seja a CBF ou o tribunal que julga e decide as questões esportivas.

Outra questão é a da punição contra o jogador que falou mal ou desabafou em campo contra a entidade máxima do futebol. O problema é que contra entidades superiores que vivem uma ditadura e usam a opressão do poder, falar contra ela é como bater em criancinha, um mal por natureza. Este caso evidencia como está, não apenas o futebol, mas uma sociedade inteira que judicializa tudo que é comportamento. O objetivo da judicialização é acabar com a conversa e estabelecer uma zona bem delimitada pelo poder de quem pode mais.

Mais uma peça neste quebra-cabeça absolutamente perigoso que se monta no futebol brasileiro (e mundial) é o fato de como o torcedor tem que torcer dentro do estádio. A CBF e a FIFA determinaram a posição do corpo (sentados), quais gestos podem e não podem ser expressos e quais palavras podem ser proferidas para que não ofendam os jogadores dentro do campo. Qualquer ato em contrário será judicializado.

Aliás, o jogador dentro de campo também não pode comemorar o gol como quer, pois se tirar ou levantar a camisa logo após o gol, recebe punição. Pois, dizem os sargentos das entidades superiores do esporte, é exatamente na hora do gol que a câmera foca o jogador e assim também o patrocinador. Ora, e justo nesta hora ele levanta a camisa? Que feio! Será punido com cartão para aprender a não ser herege e cultuar os santos de forma correta na hora canônica do gol.

Enquanto tudo isso acontece, a mídia comenta, comenta e comenta. 

Os grandes especialistas do esporte comentam tudo e não dizem ou fazem nada. Aliás, exatamente porque comentam demais. Imagine que comecemos, agora, a discutir sobre, por exemplo, as ações afirmativas. Teremos muita coisa para falar, debater, discutir e dialogar. Mas daqui a três ou cinco horas de discussão a chance do debate sério começar a ser desviado para bobagens ou digressões aumenta bastante. Agora imaginem no caso do futebol onde se comenta várias horas por dia nos sete dias da semana. Só prestam 10 minutos, o resto é jogo para mídia e espetacularização para justificar a própria profissão. E tem gente que ouve. Não um ou dois comentários. Todos!

Outro fato que percebo e que acontece somente no futebol é como qualquer jogador, não precisa ser o capitão do time, faltam com o respeito aos juízes. É o único esporte em que os jogadores pensam que podem afrontar a decisão de um juiz de qualquer forma que sua emoção no momento queira. Nem nas lutas de boxe ou das artes marciais os juízes são tão afrontados e desrespeitados. Criou-se uma cultura de completa falta de respeito aos juízes no futebol. E isso inclui os técnicos, outra função patética nos times de futebol brasileiros.

A estatística considera como tendência somente dados coletados por uma grande quantidade de tempo e através de uma regularidade muito grande na avaliação e nos parâmetros. Só a partir daí pode-se verificar os dados e achar uma tendência neles. O histórico tem que ser muito grande. Pense no contrário: se atirarmos uma moeda para cima dez vezes e nas últimas sete caiu cara, qual a tendência da próxima jogada? Nenhuma. É puro acaso. Agora, se atirarem a moeda um milhão de vezes, poderão acontecer algumas regularidades e a partir delas pode-se tentar verificar tendências. E ainda pode não haver nenhuma. 

No Brasil tratam técnicos de futebol como responsáveis diretos pelo sucesso ou fracasso dos times em, no máximo, meio ano. E neste meio ano, apenas tendo um punhado de jogos. É a cultura da ultraresponsabilidade, como se eles fossem realmente competentes a ponto de colocar um time como vencedor ou perdedor em pouco tempo. É a figura exata da corrida americana para alcançar o sucesso profissional: ou se é um vencedor ou perdedor individualizado. Nenhuma outra alternativa é possível. E o pior de tudo, é que os técnicos acreditam nisso e acham realmente que podem mudar tudo em pouco tempo e ainda se responsabilizam em sua saída como se, colocando toda culpa em seus ombros, posassem de pessoas íntegras. Na verdade, são idiotas de si mesmos aceitando outros idiotas, dirigentes de clube, como depositários de sua capacidade e competência.

Se os apologistas do esporte como ferramenta educacional estiverem realmente atentos seria importante não darem como exemplo o futebol. É um esporte que reflete nossa sociedade, mas o pior que ela tem. Pode ser usado como exemplo negativo, de como o totalitarismo das entidades oficiais oprimem todos, absolutamente todos, que se envolvem nesse esporte “sagrado”. Tem até estatuto do torcedor sancionado pelo governo federal. Está todo mundo amarrado. Importante também estar atendo em como o futebol como esporte controla o corpo daqueles que praticam e assistem o esporte através de regras de como comemorar o gol e como torcer nos estádios e tudo isso com promessa de judicialização se qualquer um sair fora da linha. De como se estabelece uma relação com aqueles que estão dentro do campo como juízes ou mediadores das regras. 

É interessante ver os jogadores colocando as mãos para trás na hora que vão xingar o juiz. Chega a ser patético. E de como a mídia que enaltece e se lambuza com esse esporte se comporta que nem cachorrinha no cio para o poder do dinheiro e dos grandes patrocinadores. Falaram mal da copa muitas vezes, mas chegou na porta de entrada, limparam os pés no capacho e pediram com licença para entrar. De como a relação entre resultado e competência passa ao largo dos técnicos e como tanto eles quanto dirigentes se vendem ao valor dos ingressos dos torcedores, pois ainda não vi dirigente peitudo que vai contra o torcedor e dizer que vai estabelecer uma relação de longo prazo com seu técnico apesar dos resultados.

O futebol brasileiro é uma festa em miniatura de nossa sociedade política em geral. Onde os bem intencionados nem chegam a se estabelecer, pois são, antes de entrar no palco, colocados no porão. Como em tudo que é droga e narcótico só existe o produto porque existe a demanda, o torcedor é que deveria virar esse jogo e fazer pressão tanto nos times quanto na imprensa. Mas enquanto estiver nesse transe de êxtase fumando esterco de vaca pensando que é fumo de verdade, o esporte perde, o futebol perde e a sociedade perde, e a paixão pelo ridículo se propaga.

*Fernando Fontoura
Filósofo, estudante de Filosofia Clínica na Casa da Filosofia Clínica
Porto Alegre/RS

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