O especialista
serve-nos para concretizar energicamente a espécie e fazer ver todo o
radicalismo da sua novidade. Porque outrora os homens podiam dividir-se,
simplesmente, em sábios e ignorantes, em mais ou menos sábios e mais ou menos
ignorantes. Mas o especialista não pode ser submetido a nenhuma destas duas
categorias. Não é um sábio, porque ignora formalmente o que não entra na sua
especialidade; mas tampouco é um ignorante, porque é «um homem de ciência» e
conhece muito bem a sua fracção de universo. Devemos dizer que é um sábio
ignorante, coisa sobremodo grave, pois significa que é um senhor que se
comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda
a petulância de quem na sua questão especial é um sábio.
E, com efeito, este é o
comportamento do especialista. Em política, em arte, nos usos sociais, nas
outras ciências tomará posições de primitivo, e ignorantíssimo; mas tomará
essas posições com energia e suficiência, sem admitir – e isto é o paradoxal –
especialistas dessas coisas. Ao especializá-lo a civilização tornou-o hermético
e satisfeito dentro da sua limitação; mas essa mesma sensação íntima de domínio
e valia vai levá-lo a querer predominar fora da sua especialidade. E a
consequência é que, ainda neste caso, que representa um maximum de homem
qualificado – especialismo – e, portanto, o mais oposto ao homem-massa, o
resultado é que se comportará sem qualificação e como homem-massa em quase
todas as esferas da vida.
A advertência não é
vaga. Quem quiser pode observar a estupidez com que pensam, julgam e actuam
hoje na política, na arte, na religião e nos problemas gerais da vida e do
mundo os «homens de ciência», e é claro, depois deles, médicos, engenheiros,
financeiros, professores, etc. Essa condição de «não ouvir», de não se submeter
a instâncias superiores que reiteradamente apresentei como característica do
homem-massa, chega ao cúmulo nesses homens parcialmente qualificados. Eles
simbolizam, e em grande parte constituem o império actual das massas, e a sua
barbárie é a causa mais imediata da desmoralização europeia.
*José Ortega y Gasset
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