“(...) Faça o homem
sentir-se pequeno. Faça-o sentir culpa. Mate suas aspirações e sua integridade.
Mate a integridade pela corrupção interna. Use-a contra ele mesmo. Pregue a
abnegação. Diga a este homem que ele deve viver para os outros. Diga aos homens
que o altruísmo é o ideal. Nenhum deles conseguiu chegar até lá e ninguém vai
conseguir. Todos seus instintos clamam contra isso. Mas não vê o que se
consegue?
O homem compreende que
ele é incapaz daquilo que ele aceitou como a mais nobre das virtudes...e isso lhe
dá um senso de culpa, de pecado, de sua própria e fundamental inutilidade. Uma
vez que o supremo ideal está além de seu alcance, ele vai acabar desistindo de
todos os seus ideias, de qualquer aspiração, de qualquer noção de seu valor
pessoal. Sente-se obrigado a pregar o que não pode praticar. Preservar a
integridade é uma batalha dura. Sua alma desiste do amor-próprio. Aí então, ele
é seu. Morto-vivo. Vai obedecê-lo. Vai ficar feliz em obedecer...porque ele não
pode confiar em si mesmo, sente-se inseguro. Essa é uma maneira.
Tem outra: mate a noção
de valores do homem. Mate sua capacidade de reconhecer a grandeza ou de
alcançá-la. Não negue o conceito de grandeza. Destrua-o de dentro para fora.
Não comece a demolir todos os templos...você vai amedrontar os homens. Coloque
a mediocridade num altar...e os templos estarão destruídos. Não permita que
coisa alguma permaneça sagrada na alma de um homem...e a alma dele não mais
será sagrada nem para ele mesmo. Mate a reverência e você matou o heroico do
homem. Não deixe os homens serem felizes, é outra maneira.
Homens felizes são
homens livres, principalmente de culpa. Portanto, mate a alegria de viver.
Faça-os sentirem que o simples fato de ter um desejo pessoal é um mal. Faça-os
chegar a um estado em que dizer “eu quero” não é mais um direito natural, mas
uma confissão vergonhosa de egoísmo. O altruísmo é de grande ajuda neste ponto.
Este último é o jeito mais antigo de todos.
Olhe para a história.
Olhe qualquer sistema ético, começando no Oriente. Não pregavam todos o
sacrifico do prazer pessoal? Não tinham eles um único objetivo: sacrifício,
renúncia, a negação do eu? Atrelamos a felicidade à culpa. E agarramos a
humanidade pelo pescoço. Jogue seu primogênito no fogo sacrifical...deite-se
numa cama de pregos...vá para o deserto mortificar a carne...não dance...não vá
ao cinema no domingo...não tente ficar rico...não fume...não beba.
É sempre a mesma fala.
A Grande Fala! Cada sistema ético que pregou o sacrifício transformou-se num
poder mundial e governou milhões de homens. Claro, você tem que enfeitar a
coisa. Tem que dizer às pessoas que elas vão alcançar um tipo superior de
felicidade ao desistirem de tudo o que as fazem felizes aqui e agora. Não
precisa ser muito claro sobre isso. Use palavras grandiosas e vagas. “Harmonia
Universal”, ”Espírito Eterno”, ”Objetivo Divino”, ”Nirvana”, ”Paraíso”, ”Supremacia
Racial”, ”A Ditadura do Proletariado”.
Corrupção interna. Esta
é a mais velha de todas. E, no entanto, o teste deveria ser tão simples: ouça
qualquer profeta e, se ouvi-lo falando de sacrifício, fuja. Fuja mais depressa
que de uma praga. É tão somente lógico que onde há sacrifício, existe alguém
recebendo as oferendas. Onde há servidão, existe alguém sendo servido. O homem
que fala de sacrifício fala de escravos e senhores. E pretende ser o senhor.
Mas se alguma vez você
escutar alguém lhe dizendo que você deve ser feliz, que este é um direito seu,
natural, que seu primeiro dever é para consigo mesmo...este será o homem que
não estará atrás de sua alma. Mas deixem que ele venha, e vocês vão berrar até
não poder mais, urrando que ele é um monstro egoísta. De modo que a barulheira
está assegurada por muitos e muitos séculos.
Por fim, não diga que a
razão é um mal...embora alguns tenham ido até esse ponto e com surpreendente
sucesso. Diga apenas que a razão é limitada - assim como nossa capacidade de
conhecer. Que há algo acima da razão. O quê? Você não precisa ser muito claro
sobre isso tampouco. O campo é inesgotável.
“Instinto”...”Intuição”...”Revelação”...”Intuição Divina”...”Materialismo
Dialético”.
Se você se atrapalhar
em algum ponto e alguém lhe disser que sua doutrina não faz sentido...você está
pronto para ele. Você lhe diz que existe algo que está acima de fazer sentido.
Que é inefável. Que aqui ele não precisa tentar, pensar, precisa sentir.
Precisa acreditar. Pode-se governar um homem que pensa? Não queremos homens que
pensam nem que se valorizem!”
*Contribuição de
Fernando Fontoura
Filósofo, Mestrando em
Filosofia, Estudante de Filosofia na Casa da Filosofia Clínica em Porto
Alegre/RS
**Tirado do romance: ‘A
Nascente’ de Ayn Rand, é um alerta para todas aquelas abordagens éticas,
políticas e epistemológicas que já se tornaram naturais em nossa sociedade e,
por isso, ficam acima ou além de qualquer crítica.
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