O homem começa por
existir, isto é, o homem é de início o que se lança para um futuro e o que é
consciente de se projetar no futuro. O homem é primeiro um projeto que se
vive subjetivamente, em vez de ser musgo, podridão ou couve-flor; nada existe
previamente a esse projeto; nada existe no céu ininteligível, e o homem será
em primeiro lugar o que tiver projetado ser.
Não o que tiver querido ser.
Porque o que nós entendemos ordinariamente por querer é uma decisão consciente,
e para a generalidade das pessoas posterior ao que se elaborou nelas. Posso
querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me: tudo isto é
manifestação de uma escolha mais original mais espontânea do que se denomina
por vontade.
(...) Escreveu
Dostoievsky: «Se Deus não existisse, tudo seria permitido.» É esse o ponto de
partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, e,
por conseguinte, o homem encontra-se abandonado, porque não encontra em si, nem
fora de si, a que agarrar-se.
Ao começo não tem desculpa. Se, na verdade, a
existência precede a essência, não é possível explicação por referência a uma
natureza humana dada e hirta; dito de outro modo, não há determinismo, o homem
é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos
em face de nós valores ou ordens que legitimem a nossa conduta.
Assim, não
temos nem por detrás de nós nem à nossa frente, no domínio luminoso dos
valores, justificação ou desculpas. Estamos sozinhos, sem desculpa. É o que
exprimirei dizendo que o homem está condenado a ser livre.
Se suprimi Deus Pai,
cumpre que alguém invente os valores. Temos de tomar as coisas como elas são.
Aliás, dizer que inventamos os valores não significa senão isto: a vida não tem
sentido a priori. Antes de vivermos, a vida é coisa nenhuma, mas é a nós que
compete dar-lhe um sentido, e o valor não é outra coisa senão o sentido que
tivermos escolhido.
Jean-Paul Sartre, in 'O
Existencialismo é um Humanismo'
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