Escrever sobre André
Breton com uma linguagem que não seja a da paixão é impossível. Além do mais,
seria indigno. Para ele os poderes da palavra não eram distintos dos da paixão
e esta em sua forma mais alta e tensa, não era outra coisa que a linguagem em
estado de pureza selvagem: poesia. Breton: a linguagem da paixão, a paixão da
linguagem.
Toda a sua busca, tanto
ou mais que a exploração de territórios psíquicos desconhecidos, foi a
reconquista de um reino perdido: a palavra do princípio, o homem anterior aos
homens e às civilizações. O surrealismo foi sua ordem de cavalaria e sua ação
inteira foi uma Quète du Graal. A surpreendente
evolução do vocábulo querer exprime muito bem a índole de sua busca; querer vem
de quaerere (buscar, inquirir), mas
em espanhol logo mudou de sentido para significar vontade apaixonada, desejo.
Querer: busca passional, amorosa. Busca não para o futuro nem o passado e sim
para esse centro de convergência que é, simultaneamente, a origem e o fim. Seu
escândalo diante da ‘infame ideia cristã do pecado’ é algo mais do que uma
repulsa dos valores tradicionais do ocidente: é uma afirmação da inocência
original do homem. (...)
A estirpe de Breton é
outra. Por sua vida e sua obra não foi tanto um herdeiro de Sade e Freud como
de Rousseau e Eckhart. Não foi um filósofo e sim um grande poeta e, mais ainda,
no antigo sentido da expressão, um homem de honor. Sua intransigência ante a
ideia de pecado foi um ponto de honra: parecia-lhe efetivamente que era uma
mancha, algo que lesava não o ser, mas a dignidade humana. A crença no pecado
era incompatível com a sua noção de homem. (...)
Pela palavra podemos ter
acesso ao reino perdido e recuperar os antigos poderes. Esses poderes não são
os nossos. O inspirado, o homem que fala de verdade, não diz nada que seja seu:
por sua boca fala a linguagem. O sonho é propício à explosão da palavra por ser
um estado afetivo (...) O sonho é passional.
(...) As ideias de Breton
sobre a linguagem eram de ordem mágica. Não só nunca distinguiu entre magia e
poesia, como pensou sempre que esta última era efetivamente uma força, uma
substância ou energia capaz de mudar a realidade. (...)
Para Breton a
poesia era criação de realidades pela palavra e não mera invenção verbal. (...)
O homem é criador de maravilhas, é poeta, porque é um ser inocente. As
crianças, as mulheres, os enamorados, os inspirados e mesmo os loucos são a
encarnação do maravilhoso. Tudo que fazem é insólito e não o sabem. Não sabem o
que fazem: são irresponsáveis, inocentes.
*Octavio Paz
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