“Meu amor, acredite
Que se pode crescer
assim pra nós
Uma flor sem limite
É somente por que eu
trago a vida aqui na voz.”
Caetano Veloso (Minha
voz, minha vida)
A música é a expressão
mais afinada da linguagem num país que tem a tradição cultural em sua
musicalidade como uma das marcas mais profundas. A geração que me marcou, não
esquecendo toda a história da música, foi ao tempo, a geração que me fez romper
com um certo tipo de passado. Um necessário fim chegou ao fim quando ouvi pele
primeira vez alguns, uns, Caetano, Gil e Chico.
Quantas coisas se pode
fazer na vida, nobre ou simples, as do cotidiano ou as da alta-cultura? A
linguagem nos leva a todos os lados da vida, a música é o impulso mais cru, sua
natureza vem do ventre, do berço, vem das casas, das ruas, dos amigos, dos
amores. Só a música nos inspira mais que a leitura. Quem um dia já não saiu do
livro para música, do filme para música como se as imagens fosse o clarão do
mundo num roteiro para vida? No meu caso a tradição de ouvir música em uma
eletrola RCA Victor, aquela do Nipper, o cachorrinho, foi o que me lapidou e me
jogou ao mundo. De vez em quando sinto a nostalgia dos elepês que ouvia na
minha casa.
Quando ouvi pela
primeira um dos discos que mais me marcaram, “Caetano e Chico: juntos e ao
vivo”, gravado em Salvador no Teatro Castro Alves, eu era apenas um guri no
Alegrete. Demorei alguns anos para ter o disco em minhas mãos, até então a
alternativa era ouvir no rádio, na JB do Rio de Janeiro, na El Mundo de Buenos
Aires.
Por onde eu andava, gostava de falar sobre música, imaginava que a
música poderia ser uma ponte para me levar ao futuro, como se fosse um ônibus
que partia na rodoviária, ia com as letras na cabeça, a pensar nas letras de
Caetano é que me via de volta ao desejo de ler. A audição de discos do Caetano,
do Gil, do Chico, do João Gilberto, na casa de um amigo, era como se eu já
tivesse bem longe.
Seguíamos até altas horas discorrendo sobre música, era pura
fruição, deleite saber que era tão lindo poder ouvir canções maravilhosas e, ao
mesmo tempo, poder ir para casa com as letras na cabeça. O sentido de ouvir, de
todos poderem falar ao mesmo tempo, como se a linguagem fosse mais veloz que
aquele momento, tudo mesclava, melodia, amor, revolução, contracultura,
tradição, o novo do que era dito.
E eu era único nisso tudo. Extasiado, eu
voltava para casa, me perguntava em que daria tudo isso, onde eu iria parar...
”eu sou neguinha”, eu fui embora da cidade, levei meus sonhos, alguns discos,
umas fitas cassetes até a capital.
Em Porto Alegre eu
consegui me aprofundar mais e mais na tríade música-literatura-cinema. Aqui
descobri o meu gosto, era mais um entre os jovens, mas dentro do refinamento do
passado, do novo. Extrapolei, exorcizei os fantasmas dos anos de chumbo, fui
aprendendo com a vida, me ferrei no amor, amei demais os amigos, me dei bem
entre os amores, tudo isso sempre acompanhado de Caetano Veloso, de Gilberto
Gil e Chico Buarque. Isso tudo recheado de Cartola, Nelson Cavaquinho e Tom
Jobim. Não precisava mais nada para chegar vivo no século XXI. É o que penso de
Caetano Veloso “os livros são objetos transcendentes/ mas podemos amá-los do
amor táctil”.
*Luis Antônio Paim
Gomes
Doutor em Comunicação.
Professor. Editor Sulina. Escritor.
Porto Alegre/RS
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