Pular para o conteúdo principal

Vinho: a Bebida Sagrada dos Cristãos*


“Bebei, isso é meu sangue” disse Jesus ao levantar o cálice com vinho. E concluiu dizendo: “fazei isso em minha memória”.

Na Bíblia, no livro de Mateus, o autor faz um relato do nascimento de Jesus descrevendo que os Reis Magos levaram ao Messias três presentes especiais: ouro, símbolo da realeza; incenso, símbolo da espiritualidade; e mirra, símbolo do profetismo, que não passa de um fortíssimo alucinógeno comparado a morfina utilizado em rituais religiosos na África antiga. No Evangelho de Marcos, a mirra aparece mesclada ao vinho, oferecida a Jesus torturado antes de o crucificarem. Ele rejeitou a bebida.

Ao longo de toda a história, o uso de alucinógenos e outros aditivos químicos teve início em rituais religiosos. No Brasil, por exemplo, temos ayahuasca utilizada pelos adeptos do Santo Daime e União do Vegetal, religiões nascidas com o povo da floresta amazônica.

Muitas religiões e seitas têm suas bebidas sagradas e o vinho é a bebida sagrado dos Cristãos, instituída pelo próprio Cristo na Santa Ceia.

A filosofia também disserta sobre o assunto. O filósofo inglês Roger Scruton em seu livro “Bebo logo Existo” faz uma descrição detalhada de como os antigos encontraram uma solução para o problema do álcool: envolver a bebida em rituais religiosos. Tratá-la como a encarnação de um deus e marginalizar o comportamento destrutivo como obra do deus, e não do adorador. Uma boa artimanha, pois é bem mais fácil reformar um deus do que um ser humano, conclui o filósofo.

Hoje as substâncias químicas obtidas de plantas superaram o âmbito religioso e terapêutico e se tornaram iscas à dependência química com suas nefastas consequências. Um exemplo catastrófico é o da coca, cuja folha é mascada pelos indígenas andinos em seus rituais para facilitar a respiração em regiões de ar rarefeito.

Além da religião, outras soluções foram encontradas para não excluir os alucinógenos do uso entre os povos. Os gregos, por exemplo, fizeram do vinho um elemento reunidor daquela sociedade. Nos banquetes, eles descobriram que uma reunião regada à bebida alcoólica fazia aquele povo sorrir para o mundo e também o mundo sorrir para eles.

A bebida sagrada e consagrada pelos Cristãos, muitos séculos mais tarde, também era usada pelos franceses após cada batalha vencida ou perdida, quando celebravam a vitória ou a vida, regada com seus bons vinho. Quem não se lembra da célebre frase sobre o vinho dita por Napoleão Bonaparte em um desses encontros se referindo ao vinho? “Na vitória merecido, na derrota necessário”.

É sabido que se consumido de forma adequada, o vinho melhora o convívio humano e tem o poder de colocar o amor e o desejo a uma distância que os torna possíveis de serem discutidos. E na dose certa a sagrada escritura nos recomenda a bebida quando diz que “o bom vinho alegra o coração dos homens”.

Para os filósofos, o vinho, quando consumido socialmente durante ou depois de uma refeição, deve ser acompanhado de um bom tema de conversa, tema que se espera, perdure juntamente com a bebida. Se for bebido na ocasião, no lugar, com as companhias e com tema adequado, o vinho é o caminho para a boa meditação e o arauto da paz. “Ao pensar com o vinho, aprendemos a beber em pensamentos e a pensar em goles”, nos diz Roger Scruton.

Para Cícero, filósofo romano, é com o vinho e com o tempo que conheceremos os seres humanos, para ele, “os vinhos são como os homens, com o tempo os maus azedam e os bons apuram”.

Sem mais delongas e com um bom tinto na taça eu fico com Epicuro, o filósofo do prazer sábio. Ele nos alerta que “nenhum prazer é em si um mal, porém, certas coisas capazes de engendrar prazeres trazem consigo maior número de males que de prazeres”.  Por isso, recomenda o prazer sábio, isto é: saber até que ponto o vinho ainda é prazer, é ser tão educado em nossas sensações ao ponto de chupar uma jabuticaba e saber parar antes do amarguinho. Assim também deve ser com o bom vinho.

Para mim, onde há vinho, há conversa, há amizade, há vida. Saúde!

*Beto Colombo
Administrador de empresas. Filósofo. Filósofo Clínico. Coordenador da Filosofia Clínica na UNESC.
Criciúma/SC

Comentários

Visitas