Nunca a vida foi tão atual
como hoje: por um triz é o futuro.
Tempo para mim
significa a desagregação da matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se
o tempo tivesse como um verme dentro de um fruto e fosse roubando a este fruto
toda a sua polpa.
O tempo não existe. O
que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si
não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos. O tempo passa depressa
demais e a vida é tão curta.
Então — para que eu não
seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo
passar depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável
minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver
muitos minutos num só minuto.
Quero me multiplicar para
poder abranger até áreas desérticas que dão a ideia de imobilidade eterna. Na
eternidade não existe o tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e
o tempo não se divide.
De agora em diante o
tempo vai ser sempre atual. Hoje é hoje. Espanto-me ao mesmo tempo desconfiado
por tanto me ser dado. E amanhã eu vou ter de novo um hoje. Há algo de dor e
pungência em viver o hoje. O paroxismo da mais fina e extrema nota de violino
insistente. Mas há o hábito e o hábito anestesia.
*Clarice Lispector
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