A filosofia não brota
por ser útil, mas tão pouco pela ação irracional de um desejo veemente. É
constitutivamente necessária ao intelectual. Por quê? A sua nota radical era
buscar o todo como um tal todo, capturar o Universo, caçar o Unicórnio.
Mas por
quê esse profundo anseio? Por que não nos contentamos com o que, sem filosofar,
achamos no mundo, com o que já é e aí está patente diante de nós? Por esta
simples razão: tudo o que é e está aí, quanto nos é dado, presente, patente, é
por sua essência um mero bocado, pedaço, fragmento, coto.
E não podemos vê-lo
sem prever e verificar que está a menos a porção que falta. Em todo o ser que é
dado, em todo o dado do mundo encontramos a sua essencial linha de fratura, o
seu carácter de parte e só parte - vemos a ferida da sua mutilação ontológica,
grita-nos a sua dor de amputado, a sua nostalgia do bocado que lhe falta para
ser completo, o seu divino descontentamento.
Há doze anos, quando eu falava em
Buenos Aires, definia o descontentamento «como um amar sem amado e uma como dor
que sentimos em membros que não temos». É o achar de menos o que não somos, o
reconhecermo-nos incompletos e manetas.
*Ortega y Gasset
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