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Mostrando postagens de agosto, 2015

Um mar no olhar*

Quando me defronto com um olhar marejado É como se me visse no reflexo dum lago no momento da chuva. Algumas coisas me afetam em demasia Olhares marejados me paralisam Me deixam fora dos eixos Estaciono. Sento no chão. Baixo a cabeça Meus pés não andam mais Perco as palavras. Fico analfabeto É assim como num sonho: Tento correr Para me salvar Ou oferecer alguma salvação E não saio do lugar. Olhos marejados afogam meu choro seco Por instantes fecho os olhos meus Para voltar a olhar outra vez Minha vontade é de estender um dedo Para amparar a lágrima passada O que vejo não são dois olhinhos Enxergo duas poças d'água Sobre gramas de outono Misturo-me e mergulho no lago dos olhos Para fazer o tempo voltar E impedir que os olhos marejassem.... *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS 

Mesa dos sonhos*

Ao lado do homem vou crescendo Defendo-me da morte quando dou Meu corpo ao seu desejo violento E lhe devoro o corpo lentamente Mesa dos sonhos no meu corpo vivem Todas as formas e começam Todas as vidas Ao lado do homem vou crescendo E defendo-me da morte povoando de novos sonhos a vida. *Alexandre O'Neill

A poesia do agora*

Ler nos olhos de alguém o melhor que podemos ser é uma experiência transformadora, surpreendentemente feliz. E em paz, refletir na alma alheia a justa medida de uma correspondência perene em tudo aquilo que realmente importa e que fora buscado numa obra de plantar o melhor que se podia e, por isso, colher frutos saudáveis.  Porventura, pela lealdade, pelo cuidado de se colocar no lugar do outro e pela responsabilidade de assumir os próprios atos, conquista-se a capacidade de saber o que se planta - única forma legítima de impedir o temor da colheita.  É lindo perceber que a medida do amor é infinita e misteriosamente desmedida sem sufocar, sem jamais faltar ou falir, sem ferir, sem prender, sem sequer invadir ou invalidar.  Afinal, quando pensamos que a vida nos surpreendeu nos dando demais, além do nosso próprio merecimento, basta meditar fechando os olhos por alguns instantes para rapidamente compreender sentindo melhor o que plantamos para viver a poesia de um agora tão m

Confidência do Itabirano*

Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana. De Itabira trouxe prendas diversas que ora ofereço: este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa... Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! *Carlos Drummond de Andrade

Movimento*

“A arte só está próxima do absoluto no passado, e é apenas no Museu que ela ainda tem valor e poder.” Maurice Blanchot Meu grupo é tão seleto que não existe, vivo no limbo da desatenção, permaneço só na multidão, mordo a cauda da serpente, vejo no espelho o movimento do corpo, vejo a luz difusa, a névoa de um domingo cinza.  Corro feito louco para ver o mar, nado fundo para não mais voltar, sigo em braçadas até o fim do livro. Vejo a mesma cena do filme que passa aos olhos, ouço o som no fundo do pensar, marco a linha imaginária na tela para traçar minha fuga. *Dr. Luis Antônio Paim Gomes Editor. Professor. Escritor. Livre Pensador Porto Alegre/RS

Um bom poema leva anos*

Um bom poema  leva anos. Cinco jogando bola,  mais cinco estudando sânscrito, seis carregando pedra,  nove namorando a vizinha, sete levando porrada,  quatro andando sozinho, três mudando de cidade,  dez trocando de assunto, uma eternidade, eu e você,  caminhando junto. *Paulo Leminski

O que nos leva ao consultório?*

A primeira questão fundamental é: o que é para cada pessoa o "consultório"? Bem como: o que é para cada pessoa o "terapeuta" e a "ajuda"? Tem-se como noção geral que quem procura a terapia procura a ajuda. Isso se mostra em Filosofia Clínica uma falácia, mais um dos pré-juízos generalizados, termos universais da nossa época. Em grande monta, sim, podemos dizer que a grande maioria das pessoas procura o terapeuta buscando ajuda, porém, não podemos tomar isso como universal, como se soubéssemos que aquele que adentra ao nosso consultório buscasse obrigatoriamente ajuda, esquecendo-se da velha máxima filosófica "só sei que nada sei", esquecendo-se que nada sabemos sobre aquela pessoa, nem mesmo se ela procura ajuda. Há pessoas que vêm até o consultório, por exemplo, não para pedir ajuda, mas apenas para ter alguém com quem conversar, procurando um espaço de diálogo, um espaço de relação, não no sentido de um socorro, mas no sentido de poder

Poema*

Se morro universo se apaga, como se apagam as coisas deste quarto, se apago a lâmpada:  os sapatos - da - ásia, as camisas  e guerras na cadeira, o paletó -  dos - andes,  bilhões de quatrilhões de seres  e de sóis morrem comigo.  Ou não: o sol voltará a marcar  este mesmo ponto do assoalho  onde esteve meu pé;  deste quarto  ouvirás o barulho dos ônibus na rua;  uma nova cidade  surgirá de dentro desta  como a árvore da árvore.  Só que ninguém poderá ler no esgarçar destas nuvens  a mesma história que eu leio, comovido. *Ferreira Gullar

Varal de Poesias*

De uma forma ou de outra Somos todos escritores De sonhos, de utopias, de palavras Costuramos poesias. Melodias Escrevendo nossas vidas. Falamos ao ritmo de poemas Escrevemos em forma de poesias Cantamos ao ritmos de versos Dançamos ao som de músicas Vivemos poeticamente nossa vidas. Eu amo, amando Amo escrevendo o que amo Amo falando o que amo. Conto baixinho... Fiz minhas melhores viagens Sem sair do lugar.... Fiz -me nuvem de chuva Para despertá-la do sono É que ela andava adormecida Até pedi-lhe de vez em vez: "Volta a escrever Pequena e serena" Por ti... E também por mim.... Devo esperar Ainda não é o tempo dela. Enquanto isto Pendurarei minhas poesia Tristes e incompletas Num varal sobre a estrada Que cruza rumos no horizonte Para balançarem ao vento.... *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Formação na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Procura-se um amigo*

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não pud

A plenitude do agora*

Pode não haver sol, porém, sempre há beleza. A natureza, em sua sabedoria, contrabalança luz e sombra. Pode não haver sorrisos, porém, sempre há silêncios. A natureza, em sua dialética, promove a pausa harmónica. Pode não haver antes e depois, porém, sempre há agora. A natureza, em sua plenitude, nos presenteia com o existir. Isto nos basta! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta Analítica. Filósofa Clínica. Escritora. Juiz de Fora/MG

Poética*

Estou farto do lirismo comedido. Do lirismo bem comportado. Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente, protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor. Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas. Todas as palavras, sobretudo os barbarismos universais. Todas as construções sobre tudo as sintaxes de exceção. Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis.  Estou farto do lirismo namorador. Político, Raquítico, Sifilítico. De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. De resto não é lirismo. Será contabilidade tabela de co-senos, secretário  do amante exemplar, com cem modelos de cartas  e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.  Quero antes o lirismo dos loucos. O lirismo dos bêbados. O lirismo difícil e pungente dos bêbedos. O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. *Manuel Bandeira

O sentido do sentimento*

“Mas só sabemos que sentimos uma emoção quando percebemos que essa emoção é sentida como algo que está acontecendo em nosso organismo.” António R. Damásio “For I never dreamt that you'd be loving…” Duke Ellington (Ler ouvindo "In a sentimental mood" com Duke Ellington and John Coltrane) Já escrevi esse texto antes alguns anos atrás, acho que lá por 2002. Deve estar em algum lugar da memória, guardado na nuvem, está dentro de um romance que comecei, parei, no “Editor de romances”.  Acordei no meio da noite, zonzo, como se tivesse sido atropelado por algo, pelo sonho, pela música que tocava distante... Olhei para os lados, me certifiquei que estava na minha casa, não reconheci a cama, mas o velho teto mofo estava bem acima de mim. Acendi a luz. Fui até a peça que tinha o som, onde costumava tocar meus discos, era John Coltrane e Duke Ellington ao fundo. Não tinha nada ligado, voltei ao quarto, a velha TV ligada, um filme na madrugada que estava toca

Sou um evadido*

Sou um evadido. Logo que nasci Fecharam-me em mim, Ah, mas eu fugi. Se a gente se cansa Do mesmo lugar, Do mesmo ser Por que não se cansar? Minha alma procura-me Mas eu ando a monte, Oxalá que ela Nunca me encontre. Ser um é cadeia, Ser eu é não ser. Viverei fugindo Mas vivo a valer. *Fernando Pessoa

Paixão*

Sim! É muito possível um casal se manter apaixonado até o ultimo dia de suas vidas juntos e, consta da lista de fatores que contribuem para esta proeza, o nosso antigo amigo respeito que gera admiração, autoestima, segurança e, enfim, tesão em viver junto, em cuidar do bem-estar do outro em querer proporcionar prazer. Uma relação apaixonada não precisa ser somente aquela coroada de sexo a qualquer custo. É certo que sexo com a pessoa que a gente ama é bom de qualquer jeito e a qualquer hora, contudo um casal que presta atenção no que é importante para cada um, consegue manter viva a luz do encantamento em todos os momentos da vida que dividem. A química do amor é mantida com doses permanentes de cuidados. É bom lembrar que um casal é constituído de duas pessoas e que a vontade de manter para sempre o ar de namoro, depende dos dois. Buscar encantar um ao outro com paciência, silêncio quando necessário, carinhos inesperados e cuidados com a aparência, ajuda muito. Encantar

Permanência*

Não peçam aos poetas um caminho. O poeta não sabe nada de geografia celestial. Anda aos encontrões da realidade sem acertar o tempo com o espaço. Os relógios e as fronteiras não tem tradução na sua língua. Falta-lhe o amor da convenção em que nas outras as palavras fingem de certezas. O poeta lê apenas os sinais da terra. Seus passos cobrem apenas distâncias de amor e de presença. Sabe apenas inúteis palavras de consolo e mágoa pelo inútil. Conhece apenas do tempo o já perdido; do amor a câmara escura sem revelações; do espaço o silêncio de um vôo pairando em toda a parte. Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada sabe - morto redivivo. Tudo é simples para quem adia sempre o momento de olhar de frente a ameaça de quanto não tem resposta. Tudo é nada para quem descreu de si e do mundo e de olhos cegos vai dizendo: Não há o que não entendo. *Adolfo Casais Monteiro

Poéticas do tempo*

Lembro-me do inverno, quando criança. E dos dias prolongados de chuva. Não era preciso ficar triste. O céu chorava por nós... Muitas vezes não tínhamos o que fazer. Quando não havia o que fazer, fazia-se o melhor. Tínhamos um potreiro. Com alguns pinheiros. Lembro-me do meu pai. Vestia-se de anjo ou de pássaro. Imitava uma gralha azul. Recolhia pinhões. E enfiava no chão. Pinheiros levam uma vida inteira para ficar adultos. Isto não importava para ele. Importava a alegria dos que viessem depois. O potreiro continua lá. Nas terras do meu pai. Não é mais o mesmo potreiro. Existe lá, agora, uma floresta de pinheiros. Quando vou lá descanso na grama junto com meu pai. Para lembrar-me que ainda sou criança, chupo frutas e cuspo as sementes na terra. Sei que elas germinarão. É que eu tenho mais afeição pelas coisas minúsculas, que pelas maiúsculas. Lembro-me de amores... Sinto-me menor do que sou com tudo isto. Quebro com facilidade. Contudo, não me jogo fora. Co

A felicidade*

O que abraça a uma mulher é Adão. A mulher é Eva. Tudo acontece por primeira vez. Hei visto uma coisa branca no céu. Dizem-me que é a lua,  mas  que posso fazer com uma palavra e com uma mitologia. As árvores me dão um pouco de medo. São tão formosas. Os tranquilos animais se aproximam para que eu lhes diga seu  nome. Os livros da biblioteca não têm letras. Quando os abro surgem. Ao folhear o atlas projeto a forma de Sumatra. O que ascende um fósforo no escuro está inventando o fogo. No espelho há outro que está à espreita. O que olha o mar vê à Inglaterra. O que profere um verso de Liliencron há entrado na batalha. Hei sonhado a Cartago e as legiões que desolaram a Cartago. Hei sonhado a espada e a balança. Louvado seja o amor no qual não há possuidor nem possuída,  mas os dois se entregam. Louvado seja o pesadelo, que nos revela que podemos criar o  inferno. O que descende a um rio descende ao Ganges. O que olha um relógio de areia vê a di

O mundo e as coisas*

São tão fortes as coisas, mas eu não sou as coisas e me apaixono. É preciso tanto e tão pouco para ver o mundo e as coisas. As coisas, o velho livro que te acompanha, a caneta ordinária e um papel qualquer. Que inveja sinto das coisas. *Luz Maria Guimaraes Diretora da Santo Expedito – Design Gráfico. Filósofa Clínica Porto Alegre/RS

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