Não é raro encontrar
quem descredencie a filosofia como capaz de auxiliar em questões do cotidiano.
Há quem postule que as “fórmulas abstratas e universais” dos livros de
filosofia não resolvem problemas de cunho prático. Considerada mais uma
abordagem filosófica, a filosofia clínica sofre pelos preconceitos de quem
sequer se deteve por um tempo em sua análise. Diante disso, podemos levantar
alguns aspectos que valem a pena serem pensados.
Aristóteles e Platão,
além de suas divergências, chegavam num acordo acerca do “objeto” de
conhecimento: o mundo sensível é constituído pelo devir. O Estagirita apontou
para um processo de abstração do sensível que, a partir da suspensão dos
acidentes, tornava-se possível pensar a essência. Assim, ficou possível pensar
o homem para além dos homens particulares em suas diversas diferenças. Seu
mestre formulou as Ideias como instância na qual se encontravam as formas puras
das coisas concretas que, por sua vez, são imagens imperfeitas da concepção
perfeita.
Mas, ambos não estavam
discutindo o “sexo dos anjos” ao elaborar suas filosofias. Platão ao tratar do
que era a justiça, por exemplo, tinha clara concepção de que era possível
chegar a um acordo acerca do que consistia a justiça para, em seguida, pensá-la
na prática. Afinal, assim como é no caso de uma lei justa, se ninguém tem uma
noção do que é uma cadeira, qualquer objeto fabricado pode ser considerado algo
para se sentar. Aristóteles buscou apresentar aquilo que era substancial em
cada coisa concreta para que, àquele que cabia a possibilidade de buscar
realizar sua natureza, esta lhe fosse clara. Assim, à semente caberia germinar,
à arvore, dar frutos, ao homem, o bem que lhe correspondesse a fim de realizar
sua natureza.
Note que para ambos, o
mundo continua móvel em seus âmbitos singularmente únicos, enquanto as
concepções tendem a ser mais diretivas para a vida. Eles não criaram leis nem
regras rígidas de comportamento. Mas, pensaram elementos que, se trazidos para
a vida, podem auxiliar nos procedimentos práticos da existência.
E o que a Filosofia
Clínica tem a ver com isso? A clínica filosófica não tira das diversas
particularidades seus universais. Mas, de cada singularidade tira os parâmetros
para trabalhar a existência do partilhante. Ou seja, o “universal” das afirmações
da filosofia clínica é que cada ser humano que busca o auxílio do filósofo
clínico é uma singularidade que deve ser vista em sua complexidade, a partir de
exames categoriais, estrutura de pensamento e submodos.
A filosofia em sentido
mais tradicional e a filosofia clínica possuem algo em comum: a singularidade
da existência. No entanto, enquanto filósofos como Platão e Aristóteles
procuram da singularidade pensar o universal para, em seguida, utilizá-las para
pensar a particularidade; a filosofia clínica toma a singularidade enquanto uma
afirmação universal para que não seja possível formular qualquer afirmação
aplicável a todo sujeito para, assim, permitir ao partilhante ser compreendido
em sua singularidade.
Socialmente a justiça e
a compreensão de homem continuarão sendo necessários para se pensar a vida
comum. No entanto, a singularidade traz à tona a necessidade de mostrar que
cada sujeito lidará com essa “vida comum” de algum jeito. E é aqui que o
filósofo clínico age.
Assim, a filosofia
pensa às essências enquanto o algo comum a todos os acidentes presentes no
devir. Já a filosofia clínica pensa cada acidente como essencial a ser levado
em conta em toda singularidade. Pensar as regras que regem o todo é tão
fundamental quanto o modo como as partes lidam como essas regras.
Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG
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