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As linguagens da terapia*

                                         

O espaço compartilhável da clínica aprecia se constituir num acordo de singularidades. Um desses lugares onde a interseção dos personagens pode acontecer. O veículo capaz de transcrever essa objetividade fugaz é a linguagem. As palavras, ainda quando silenciadas, convidam, pela atualização discursiva, a ingressar nos inéditos cenários.   

Uma pronúncia das vontades costuma elencar o mundo como representação da pessoa. As palavras escolhidas para dizer, pensar, imaginar, constituem um aprendizado fundamental a atividade clínica do Filósofo. A aventura pessoal descrita na história de vida se utiliza de códigos linguísticos próprios.

 Essa página em branco, inicialmente, rascunha-se em borrões. Seu vocabulário estranho, vai fazendo sentido na sustentação dos encontros, na qualificação da relação, no aprendizado da nova língua. O movimento introspectivo compartilhado na hora-sessão, convida a reviver eventos passados pelo viés atual. No entanto, ainda assim, o interior das palavras aprecia guardar um sentido, jamais decifrável por inteiro.   

Se fôssemos utilizar a lógica das figuras de linguagem, seria possível encontrar, num discurso assim, múltiplas perífrases, antíteses, metáforas, eufemismos, instâncias por onde o Filósofo Clínico busca transitar na relação de ajuda. No entanto, cabe lembrar que um termo substitutivo, uma metáfora, por exemplo, pode ser mais do que substituição, pode se tratar do universo inteiro da pessoa. O esboço da criatividade, quando encontra um território confiável para se ensaiar, aprecia as margens da norma socialmente aceita. Essa imaterialidade costuma ser apontada e compartilhada pelo constructo linguístico de cada um.

O evento terapia estabelece um território, delimita códigos de acesso, reivindica um aprendizado na perspectiva partilhante. Nesse contexto, a nova abordagem se utiliza da matéria-prima oferecida por sua trama discursiva. Ao ser possível uma clínica para cada pessoa, tendo como ponto de partida, a narrativa (bem apontada) da história de vida e o vislumbre da estrutura de pensamento, é possível antever a condição humana refugiada nos desvãos do diagnóstico.    

Assim é possível acolher e compreender o teor dos princípios de verdade. O chão onde a pessoa se desloca existencialmente, vive suas circunstâncias, acontece socialmente. Um ponto de partida para o terapeuta aprender o dialeto que vai chegando. Os episódios significativos de cada sujeito, utilizam a mesma fonte estrutural para se expressar. 

Nesse sentido, os desdobramentos da atividade clínica, sua sustentação e qualificação, são reféns de uma correta leitura desse dicionário muito íntimo. O dado literal, ao proteger a versão da pessoa, também oferece a intencionalidade discursiva, os tópicos determinantes, o acesso a subjetividade.   

É na linguagem compartilhada nas sessões, que se faz possível um vislumbre do lugar de onde se diz o que se diz. Cada um, mesmo quando não saiba disso, exercita sua existência num contexto único. Assim, um dos primeiros indícios de autogenia, em clínica, é a mudança na escolha e uso das palavras.

Na sutileza da frase inacabada, é possível se anunciar um rascunho da estrutura em movimento. O ponto de vista partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima os papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.   

*Hélio Strassburger

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