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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*



"Ainda existem almas para as quais o amor é o contato de duas poesias, a fusão de dois devaneios."

"(...) como pode um homem, apesar da vida, tornar-se poeta ?"

"(...) ouvindo certas palavras, como a criança ouve o mar numa concha, um sonhador de palavras escuta os rumores de um mundo de sonhos."

"Aliás, por que existir, já que sonhamos ?"

"Ver e mostrar estão fenomenologicamente em violenta antítese."

"Não é também no devaneio que o homem se mostra mais fiel a si mesmo ?"

"Não saberíamos, sem os poetas, encontrar complementos diretos do nosso cogito de sonhador. Nem todos os objetos do mundo estão disponíveis para devaneios poéticos. Mas, assim que um poeta escolheu o seu objeto, o próprio objeto muda de ser. É promovido à condição de poético."

"Que importam para nós, filósofo do sonho, os desmentidos do homem que reencontra, após o sonho, os objetos e os homens ? O devaneio foi um estado real, em que pesem as ilusões denunciadas depois. E estou certo de que fui eu o sonhador. Eu estava lá quando todas essas coisas lindas estavam presentes no meu devaneio. Essas ilusões foram belas, portanto benéficas. A expressão poética adquirida no devaneio aumenta a riqueza da língua."

"E que vem a ser um belo poema senão uma loucura retocada ? Um pouco de ordem poética imposta às imagens aberrantes ? A manutenção de uma inteligente sobriedade no emprego - ainda assim intenso - das drogas imaginárias. Os devaneios, os loucos devaneios, conduzem a vida."

"Quando um sonhador de devaneios afastou todas as 'preocupações' que atravancavam a vida cotidiana, quando se apartou da inquietação que lhe advém da inquietação alheia, quando é realmente autor da sua solidão, quando enfim, pode contemplar, sem contar as horas, um belo aspecto do universo, sente, esse sonhador, um ser que se abre nele."

"(...) as vidas imemoriais que dormitam para além das mais velhas lembranças despertam em nós sob o influxo de sua chama e nos revelam as regiões mais profundas da nossa alma secreta."

"Ah, pelos menos, qualquer que seja a fraqueza de nossas asas imaginárias, o devaneio do voo nos abre um mundo, é abertura para o mundo, grande abertura, larga abertura. O céu é a janela do mundo. O poeta nos ensina a mantê-la aberta de par em par."

*Gaston Bachelard in "A poética do Devaneio". Ed. Martins Fontes. SP. 2001

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