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O que há para além dos portões da nossa vida ? *


Quantas vezes nos deparamos com limites, com muros que nos cercam e que não nos permitem ver para além da estrada histórica para a qual nos encaminhamos ao longo da vida? No nosso patamar existencial esse fenômeno costuma ser muito comum, o fato de não podermos ver para além da nossa trajetória, um horizonte fechado, limitado, onde o futuro se torna apenas duas ou três possibilidades, nos dando concomitantemente a impressão de um frágil controle regado à limitação.

Às vezes ouvimos boas novas que parecem ser mágicas, distantes da nossa existência. Coisas como um horizonte infinito, como uma vida, vasta por onde possamos transitar e com seletividade vivenciar aquilo que verdadeiramente tem a ver conosco, deixando o restante para trás. Uma existência considerada utópica para a maioria.

Para muitas pessoas o horizonte da vida é murado, é fechado, não há luz para além dele, não há nada... São cegos existenciais que somente enxergam aquilo que está ao seu limiar, sua periferia é próxima e as questões são tratadas no âmago do seu ser. Há citações comuns entre pessoas assim, tais como “não há saída...”, “não há para onde ir...”, “eu não tenho um futuro...”, “minha vida se resume a tais e tais coisas...”, conotações tópicas de armadilhas conceituais.

Adentrando a multiplicidade da natureza humana vemos também aqueles que, metaforicamente falando, têm a vida cercada por grades que limitam seu trânsito pela existência, que não lhes permitem ir para além daquele limite, mas que diferentemente dos murros por onde nada passa, essas cercas lhes permitem ver o que há num horizonte próximo... Cercas, de forma geral, permitem a passagem da luz, a passagem do vento, permitem espiar o que há para além delas... São pessoas que deslumbram possibilidades, que percebem que a existência vai além daquele limitado mundo em que elas vivem, que podem sonhar com o caminhar por novos campos, descobrir novas coisas, construir outras casas existenciais. Pessoas que aspiram por uma vida diferente.

O que nos leva a levantarmos cercas e muros que limitam a nossa existência? A resposta é tão vasta quanto a natureza de limites que desenvolvemos, desde armadilhas conceituais, pontos cegos, áreas de sombra, medos, contrastes e um turbilhão de fenômenos. A questão é que podemos mudar isto, podemos derrubar murros, podemos expandir o limite das nossas cercas, podemos plantar novos jardins. A resposta do como fazer isto será distinta para cada pessoa, segundo suas propensões, segundo sua estrutura subjetiva, segundo o seu mundo.

Entre os fenômenos mais comuns, percebe-se que ao longo da nossa jornada a vida costuma abrir diversas portas que nos permitem ir para além desse nosso mundo. São possibilidades de novos lugares, novos empregos, novos aprendizados, amores e uma sorte infinita de possibilidades. A maioria destas portas não são nem mesmo percebidas, estamos ocupados demais para prestar atenção ao aroma de um lírio, ao sorriso de alguém sentado ao nosso lado no ônibus, ao cartaz pendurado no poste de luz, ao anúncio no jornal. Bilhões e bilhões de possibilidades de caminhada, de abertura, mas nossa intencionalidade se volta exclusivamente para as questões imediatas da nossa existência.

Ao tratar de questões como esta precisamos tomar muitos cuidados. Cuidado para não cair em devaneios, em aventuras perigosas que podem jogar fora toda uma existência, afinal, sempre há aqueles que gostam de tomar licenças que podem custar muito caro no futuro. Muitos, inclusive, cruzam desavisadamente certas portas e se jogam de tal forma que deixam para traz toda a sua base categorial neste mundo, e quando essa nova estrada acaba, veem-se sem ter para aonde retornar, veem-se perdidos, mais destruídos do que estavam antes.

Não estamos tratando aqui de abandonar a própria vida e partir em busca de aventuras, mas em ter mais caminhos por onde é possível transitar, em ter uma existência mais rica, em aproveitar os elementos de passagem para nos alimentarmos existencialmente, nos mostrar possibilidades que tenham a ver conosco, em ter para aonde ir quando as coisas não funcionarem e onde buscar recursos quando em nós eles faltarem. Estamos falando em ter fluência em visitar novos mundos, em curtir novas paisagens, e aos poucos, à medida que se toma fluência nesse transito, ir construindo com solidez novas estradas, novos jardins, novas vidas, sempre usando-se de seletividade e prudência.

Quando se toma fluência em abrir novas portas, em transitar por novos mundos, as grades e os murros da nossa vida tendem a gradualmente desaparecerem. O futuro não se torna mais apenas um jogo de duas ou três possibilidades, mas um infinito muito rico de experiências e aprendizados. A vida não é mais vivida em preto e branco, mas em várias cores, aromas e gostos. E quando uma parte da nossa existência morrer, isso não nos pesará tanto, pois sabemos do infinito de caminhos há no devir.

Como exercitar isto? Aos poucos, segundo a sua história de vida, segundo as suas propensões internas. Abram-se para novos aprendizados, mesmo que não tenham vontade de aprender. Iniciem novas pequenas atividades que lhe tragam bem estar e que não precisam ser cotidianas. Conheçam novos lugares. Saboreiem um suco novo ou uma comida que jamais tiveram coragem. Conversem com estranhos pelos quais sintam afinidade e visitem por um pequeno tempo esses mundos. E aos poucos, semelhantemente um jardim, essas conversações servirão como sementes que germinarão e trarão novas flores, novos perfumes, novas estradas.

O que há para além dos portões que limitam a nossa vida? Há o infinito, desde coisas muito boas até coisas muito ruins. Cabe a nós abrir apenas aquelas portas que forem seguras, que nos levem ao encontro daquilo que de fato tem a ver conosco.

*Gilberto Sendtko
Filósofo Clínico
Chapecó/SC

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