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O sonho das palavras*

                                   

Um enredo malabarista se insinua em rasuras de quase traço. O sonhar das palavras rascunha vontades, antecipa delirando aquilo desconsiderado pela razão conhecida. Seus apontamentos de estética maldita dizem mais do que consegue traduzir. Não-ser acontecendo nalgum ponto entre realidade e ficção. 

Essa sensação do fenômeno ter alguma sobrevida nos termos agendados no intelecto, possui rasgos de transcendência inevitável. Parece reverenciar o lugar instante onde a exceção, o acaso, se desdobram no agora continuado.   

É possível ao verso irreal conter mensagens ilegíveis. Sua referência ao texto repleto de incompletudes parece querer dizer, ao leitor atento, sobre as alternativas de reescrever-se com sua leitura. Como se fora um rascunho a silenciar sobre a linguagem da natureza da linguagem. Desvendar aspectos de renúncia em se descrever por inteiro, registrar aparecimentos, desaparecimentos diante do mesmo com vestígios do outro.

A folha em branco a espera do traço, rememora o que se cala nas afirmações. O sujeito assim descrito esboça, no chão de suas vertigens, uma estética dos excessivos roteiros. Interseção onde temor e tremor transbordam expressividades de anúncio. Sua errância descreve peripécias ilegíveis ao dado literal, sua sobrevida acontece nos contornos e margens do mundo conhecível. Ao cogitar uma ideia insinua a embriaguez de ser nada, se faz entrelinhas na quimera, na lenda. 

O inédito percurso da ideia ou sensação, antes de ser palavra, transita pela irrealidade das zonas intermediárias, possui viés de prefácio inacabado, sedução dos devaneios da luz do dia pelas fantasias da noite. Um texto assim busca sua essência na sobrevida das desconsiderações. Realiza-se na utopia, ressoa em vozes da distância e da proximidade.   

Território misto a contemplar movimentos de abertura e fechamento, oferece uma redação precária, no ser provisório dos relatos. Nesse sentido, um discurso ensimesmado desconsidera o mundo ao seu redor, para, em seguida, ser poética discursiva e se encontrar com as alquimias do cotidiano. Os jogos de linguagem assim descritos renunciam a percepção especialista, preferem a ingenuidade do olhar.   

Um viés de retórica maldita oferece laços com a realidade da qual se afasta. As questões essenciais nem sempre podem ser encontradas no cotidiano. Para se aproximar com as evidências dessa matéria-prima, os significantes oferecidos reivindicam um papel existencial também investigativo. 

A palavra mais que perfeita sugere uma multidão de personagens. Sua articulação reflete um manuscrito de silhuetas, franjas, dobras a descobrir-se nas releituras. Na frase começada existem outros roteiros possíveis. Ao esboçar esse desconhecido na própria voz, sugere algo mais sobre as recusas do verbo definitivo. Eis um lugar para o indizível ter um nome, quase sempre impróprio, num chão que não lhe pertence por inteiro.

*Hélio Strassburger

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