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"É preciso ainda observar que as definições do fantástico que se encontram na França em escritos recentes, se não são idênticas à nossa, tampouco a contradizem. Alguns exemplo dos textos canônicos: Castex escreve em 'Le Conte fantastique': 'O fantástico... se caracteriza... por uma intromissão brutal do mistério no quadro da vida real'. Louis Vax, em 'L'Art et la Littérature fantastiques': 'A narrativa fantástica... gosta de nos apresentar, habitando o mundo real em que nos achamos, homens como nós, colocados subitamente em presença no inexplicável'. Roger Caillois em 'Au Coeur du fantastique': 'Todo o fantástico é ruptura da ordem estabelecida, irrupção do inadmissível no seio da inalterável legalidade cotidiana'" 

"O fantástico leva pois uma vida cheia de perigos, e pode se desvanecer a qualquer instante. Ele antes parece se localizar no limite de dois gêneros, o maravilhoso e o estranho, do que ser um gênero autônomo"

"A definição clássica do presente, por exemplo, descreve-o como um puro limite entre o passado e o futuro. A comparação não é gratuita: o maravilhoso corresponde a um fenômeno desconhecido, jamais visto, por vir: logo, a um futuro; no estranho, em compensação, o inexplicável é reduzido a fatos conhecidos, a uma experiência prévia, e daí ao passado. Quanto ao fantástico mesmo, a hesitação que o caracteriza não pode, evidentemente, situar-se senão no presente"

"Seja como for, não se pode excluir de um exame do fantástico o maravilhoso e o estranho, gêneros com os quais se imbrica. Mas não esqueçamos tampouco que, como diz Louis Vax, 'a arte fantástica ideal sabe se manter na indecisão'"

"Citando Alan Watts in The Joyous Cosmology: 'Pois neste mundo não há nada de errôneo, nem mesmo de estúpido. Sentir um erro é simplesmente não ver o esquema no qual se inscreve tal acontecimento, não saber a que nível hierárquico este acontecimento pertence'"

"Mas é justamente o que se passa na literatura fantástica, como no pensamento mítico por exemplo; ele permanece presente para fornecer o pretexto às transgressões incessantes" 

"Por sua própria definição, a literatura ultrapassa a distinção do real e do imaginário, daquilo que é e do que não é. Pode-se mesmo dizer que é, por um lado, graças à literatura e à arte, que esta distinção torna-se impossível de se sustentar"

"É da própria natureza da linguagem cortar o dizível em pedaços descontínuos; o nome, ao escolher uma ou várias propriedades do conceito que o constitui, exclui todas as outras propriedades e coloca a antítese deste e de seu contrário"

"(...) a própria literatura. Temos muitas vezes evocado o estatuto paradoxal desta: ela não vive senão daquilo que a linguagem cotidiana chama, por seu lado, de contradições. A literatura assume a antítese entre o verbal e o transversal, entre o real e o irreal"

*Tzvetan Todorov in "Introdução à literatura fantástica". Ed. Perspectiva. SP. 2004.

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