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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*


"Não podemos mensurar um estado de espírito, como não podemos contar qualidades. Vivemos de comparações, semelhanças, dessemelhanças, equivalências e diferenças, que são sempre vazias de um conteúdo objetivo. Nunca podemos repetir uma experiência da maneira como fazemos com um experimento objetivo. Os modos, as modulações, as formas e transformações da alma carecem não só de uma experiência objetiva, como muitas estão fora do alcance da imaginação"

"Há cientistas que adoram repetir que não são filósofos, teólogos, ontólogos, metafísicos, filósofos morais ou mesmo simples psicólogos. Se isto for um testemunho de sua modéstia é conveniente e apropriado, mas comumente trata-se de um descarte superficial de tudo o que eles não conseguem ver pelos seus métodos de ver"

"Olhar para o outro como um objeto não é só mudar a pessoa em coisa, mas, exatamente por isto, cortar qualquer relação pessoal entre mim e ela, enquanto a estiver olhando desse modo"

"Não há nada mais subjetivo que a objetividade cega à sua própria subjetividade"

"O olhar científico não é um olhar de comunhão"

"Além de equações e correlações, há intenções e desejos. Deveres e obrigações, liberdade e destino, fascínio e encantamento não se ausentam porque não são dados brutos. O método científico não pode captá-los"

"Psiquiatras científicos e objetivos acreditam que o que chamam de teoria da doença é a melhor estratégia a ser adotada para controlar, da forma mais rápida, indolor e barata possível, experiências e comportamentos indesejáveis"

"Experiências raras, difíceis de serem explicadas socialmente e praticamente as mesmas pelo mundo afora, ocorrem realmente em santos e pecadores, gênios, loucos e mesmo aparentemente em pessoas comuns. Com o propósito de sustar este tipo de coisas, é útil considerá-las como sinais de doença e classificá-las como ilusões e alucinações ou outra coisa. Os psiquiatras acham que viveríamos melhor sem este tipo diferente de experiências e que deveríamos permiti-las com cuidado ou não permiti-las de maneira alguma"

"Enquanto o psiquiatra objetivo consegue manter-se sem autoconsciência, poupa-se o embaraço da compreensão, que somente pode surgir da reflexão crítica, de que sua pretensa objetividade está enredada em valores subjetivos"

"Bleuler chama de esquizofrênicas as pessoas que são desprezadas, evitadas e consideradas mentalmente doentes pelas pessoas normais. Não são evitadas porque sejam psicóticas. São chamadas psicóticas para justificar o quanto são inconcebíveis e para dar-lhes o carimbo da autorização médica para sua excomunhão"

"Muitas vezes teremos simplesmente de admitir que, de uma maneira ou de outra, o que não podemos explicar ou entender certamente não deixa de existir porque não somos capazes de ver como existe ou porque deveria existir"

*Dr. Ronald D. Laing in "A voz da experiência. Experiência, ciência e psiquiatria". Ed.Vozes/RJ. 1988. Médico Psiquiatra - 1927 - 1989.

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