“Quer dizer, no momento
em que adentramos o espaço da memória, entramos no mundo.”**
Paul Auster
Gosto de ler os
filósofos cristãos, principalmente os dos séculos XIX e alguns do XX. Assim, ao
lê-los aprendo mais do que muita ironia vã da ignorância religiosa e fanática
sobre Deus. Sou de fato um ser em movimento, mas o que nunca deixou-me
impressionar é a latência reflexiva dos moralistas ao tratar da vida como se
ela tivesse uma base sólida para todas os questionamentos.
Escamotear a
existência em nome de um ser superior. De fato, a vida é onde tudo se inicia e
tudo se perde no fim. O acontecimento tem seu apogeu. Os observadores mais
atentos, os desavisados e dispersos, porém atentos, a todos que param um pouco
para apenas sentir e deixar o tempo passar ou ficar parado no ato de pensar.
Éttienne Gilson escreveu:
O pânico que parece se
apoderar dos apologistas sempre preocupados em não perder o último navio, é
algo que lhes é natural, mas não deixa de ser inútil. Não há último navio. Da
popa daquele no qual você embarcar, você verá outros três ou quatro se
preparando para partir.***
Ou seja, prefiro a reflexão
inteligente do que ardor de uma crença, de uma outra ordem de religião. Isso se
aprende ao longo dos tempos. Quantos Tempos existe quando vive em uma só vida?
Depende, não da crença, a meu ver, da capacidade que se tem de encarar a
realidade sem temer que a ordem das coisas não gerida pelo fervor de uma
crença, mas por circunstâncias que envolvem essa vida.
No caso dos exegetas,
daqueles que dedicam sua vida a interpretar, a eles meu profundo respeito, mas
nem com todos me sentaria para conversar, ouvi-los. Porque se tem algo que me
deixa numa profunda dislexia é o tom professoral, é querer dar aula no mais
alto grau da tonalidade e expressão teatral de um professor. Isso me tira do
sério, então, prefiro conversar com os livros.
O Éttinne Gilson é meu
companheiro por excelência. Com ele aprendi a ler melhor textos filosóficos, a
ouvir e, principalmente, recusar verdades e tons pseudo educadores de alguns
seres monocórdios. No final da última página de um Gilson, acredito cada vez
menos na luz duradoura de uma Verdade única.
*Prof. Dr. Luis Antonio
Paim Gomes
Filósofo. Editor. Livre
Pensador.
Porto Alegre/RS
** A Invenção da
Solidão. Paul Auster. Companhia das Letras, 1999.
*** O Filósofo e a
Teologia. Éttinne Gilson. Paulus, 2012.
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