Pular para o conteúdo principal

Mais do que erudito, o estudante de Filosofia deve ser um pensador*


A concepção do estudo filosófico como um processo de aquisição de conteúdos, a ponto de tornar o estudante um erudito, não só é recorrente como constitui uma característica comum quando se pensa em uma formação filosófica. É nesse sentido que Folscheid e Wunenburger afirmam que:

“A tentação clássica de muitos estudantes sérios é [...] enxergar com complacência essa operação de recuperação, que consiste em suprir as próprias fraquezas pela riqueza de pensamentos que se acumulam como bens adquiridos”[1].

Trata-se, portanto, de uma tentação que não se encontra somente presente na vida do estudante mediano, como também na prática dos estudantes sérios. Desse modo, ao ceder a essa tentação, o estudante torna-se pronto para defender todas as questões apresentadas pela filosofia valendo-se, para isso, daquilo que os outros filósofos disseram.

Com isso, um estudante de filosofia, tratará a filosofia como um corpo de respostas às perguntas que lhe são feitas ou como um oráculo de onde se encontra a solução para os problemas. Assim, é comum ver o recurso à autoridade de um filósofo clássico como aquele que traz a resposta definitiva. E em busca dessas respostas, o estudante perpassa toda a história do pensamento filosófico em busca das melhores. No entanto:

“A história da filosofia não é [...] uma loja de pensamentos prontos, onde se vestiria, como uma roupa, o que é apresentado no mostruário. A menos que se tomem o pensamento por um cabide a ser recoberto, o que o condena a tornar-se, conforme o caso, em um manequim ou espantalho. Em vez de servirem ao pensamento, os conhecimentos tornam-se então um obstáculo”[2].

Portanto, a filosofia deve ser vista como uma atividade na qual o estudante é convidado a participar ativamente de cada passo da investigação. Quando lê, por exemplo, a Metafísica de Aristóteles, o ideal é acompanhá-lo a cada ponto de sua reflexão em busca de “ver” aquilo sobre o qual ele versa. Desse modo, a Metafísica deixa de ser um conjunto de postulados ou de sentenças que serve para ser citado em uma redação ou em um discurso, e passa a ser um processo de pensamento que o leitor deve acompanhar para pensar junto com o próprio Aristóteles com o intento de perceber o modo como ele viu seu “objeto”, isto é, como ele pensou aquilo que foi pensado.

Ao enveredar pelos estudos filosóficos, o conteúdo não é algo a ser decorado, mas algo a ser devidamente pensado. O estudante mais compreende realmente o filósofo na medida em que acompanha cada uma das palavras de um texto ou de uma palestra, pensando junto. Por mais genial que pareça uma sentença filosófica, se ela não for lida com o sentido proposto pelo filósofo, ela não passa de flatus vocis, pura emissão fonética sem seu real sentido.

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor. Filósofo Clínico. Livre Pensador.
Teresópolis/RJ

[1] FOLSCHEID, Dominique; WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia filosófica. trad. Paulo Neves. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 8.

[2] FOLSCHEID, Dominique; WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia filosófica. trad. Paulo Neves. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 9.

Comentários

Visitas