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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*


"A natureza da loucura é ao mesmo tempo sua útil sabedoria; sua razão de ser consiste em aproximar-se tão perto da razão, ser-lhe tão consubstancial que formarão, ambas, um texto indissolúvel, onde só se pode decifrar a finalidade da natureza: é preciso a loucura do amor para conservar a espécie; são precisos os delírios da ambição para a boa ordem dos corpos políticos; é preciso a avidez insensata para criar riquezas"

"(...) a razão reconhece imediatamente a negatividade do louco no não-razoável, mas reconhece a si mesma no conteúdo racional de toda loucura"

"No momento em que quer alcançar o homem concreto, a experiência da loucura encontra a moral"

"A loucura da loucura está em ser secretamente razão"

"O desatino é que a verdade da loucura é a razão"

"Mas o louco tem seus bons momentos, ou melhor, ele é, em sua loucura, o próprio momento da verdade; insensato, tem mais senso comum e desatina menos que os atinados. Do fundo de sua loucura atinada, isto é, do alto de sua sabedoria louca, sabe muito bem que sua alma foi atingida. E renovando, em sentido contrário, o paradoxo de Epimênides, diz que está louco até o âmago de sua alma e, dizendo isso, enuncia a verdade"

"O internamento destina-se a corrigir, e se lhe é fixado um prazo, não é um prazo de cura mas, antes, o de um sábio arrependimento"

"Estranha superfície, a que comporta as medidas de internamento. Doentes venéreos, devassos, dissipadores, homossexuais, blasfemadores, alquimistas, libertinos: todos uma população matizada se vê repentinamente, na segunda metade do século XVII, rejeitada para além de uma linha de divisão, e reclusa em asilos que se tornarão, em um ou dois séculos, os campos fechados da loucura"

"A loucura torna-se uma forma relativa à razão ou, melhor, loucura e razão entram numa relação eternamente reversível que faz com que toda loucura tenha sua razão que a julga e controla, e toda razão sua loucura na qual ela encontra sua verdade irrisória. Cada uma é a medida da outra, e nesse movimento de referência recíproca elas se recusam, mas uma fundamenta a outra"

*Michel Foucault in "História da loucura". Ed. Perspectiva. SP. 2000.

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