Parte II
(...)
Contudo, Hélio
Strassburger, ícone de grande significação na construção da Filosofia Clínica
como atividade terapêutica e não apenas como filosofia teórica, nos apresenta
em suas obras reflexões mais profundas e complexas, de quem é o filósofo
clínico e quem é o partilhante, advindas da prática clínica e que veremos a
seguir.
Vejamos o que nos diz
Strassburger em sua obra Filosofia Clínica: a arte de encantar a vida, (2005):
“...Ser terapeuta é uma
arte, através da qual podem se desenvolver raridades e talentos, os quais,
impregnados de humanidade, vão constituindo a pessoa em seu melhor lugar no
mundo. As crises e transformações pessoais por onde passa, na direção de um viver
melhor, lhe confere uma legitimidade singular, não no sentido de ter respostas
prontas, mas de exercitar a plasticidade na direção do outro, experienciando em
sua alma, aspectos e desdobramentos, cujos reflexos podemos alcançar pela via
da relação clínica, através da compreensão e do entendimento das circunstâncias
do compartilhar.”
Já nesta primeira
reflexão podemos acompanhar que no pensamento do autor, o filósofo clínico é
também alguém em construção, em devir e não apenas um amigo, um profissional ou
um estudante. No ato de compartilhar, de trilhar o caminho com o outro, o
filósofo clínico se dispõe não só a entender, mas também a acolher as questões
de seu partilhante, não apenas pelo ouvir, condição esta fundamental ao
clínico, mas também pelo vivenciar junto, num se transportar ao mundo do outro,
o que, em Filosofia Clínica, denominamos de recíproca de inversão.
“(...) Por estes
desdobramentos existenciais compartilhados, ajudamos e somos ajudados, pois se
é verdade que possuímos uma metodologia que nos auxilia nestas abordagens e
interações, ainda temos o privilégio da nossa humanidade, o melhor referencial
possível ao exercício desta atividade que pressupõe coração e mente, sangue,
suor, lágrimas, alegrias e tudo mais que possa constituir-se por estes
indeterminados universos existenciais, à procura de um lugar onde possa viver
seus instantes de vida.(Strassburger, 2005 p 7)
A forma da composição
narrativa usada pelo autor, na construção de seu trabalho Filosofia Clínica:
Poéticas da Singularidade (2007) merece destaque, e por isso foi a obra base
para esta parte do trabalho.
A “poesia”, a
delicadeza de sua linguagem, surge como elemento fundamental para que o leitor
se envolva na leitura e seja tomado por ela. Desta forma Hélio nos leva ao
universo da recíproca de inversão, e entramos em seu mundo e vivenciamos, nele
e com ele, os desdobramentos de sua atuação em consultório. Conseguimos também
perceber que filósofo clínico e partilhante, para ele, são mais que definições
ou concepções, são modos singulares de existir e estar no mundo. Ser filósofo
clínico, para Strassburger é algo especial.
O autor lança mão do
termo “poética”, para se referir ao gênero humano, no sentido mais original da
palavra, que entre os gregos clássicos (poética=poiesis) era usado para
designar criação, fabricação ou produção de sentidos e, era aplicado à poesia e
a outras artes, como por exemplo, a escrita. Na obra de Strassburger podemos
entender que as “poéticas”, são para designar a produção de sentidos das
singularidades com as quais o autor trava seu diálogo terapêutico. Termo muito
bem colocado, pois cada Ser em sua unicidade carreia em si a “poética” de sua
existência.
Hélio Strassburger
apresenta além de suas concepções conceituais a respeito de quem é quem na
clínica filosófica, aborda também a singularidade do filósofo e sua forma de
atuar. O diálogo é compartilhado (filósofo/partilhante), e travado a partir de
suas vivencias como clínico e como ser humano em construção. Porém, não sem
deixar claro que a mescla (filósofo/partilhante)
deve ser uma opção do filósofo, que deve dominar a técnica e os
procedimentos metodológicos. O autor também nos coloca frente às limitações da
clínica filosófica, nem sempre terreno sólido, seguro ou fértil.
A sutileza do terreno
da clínica filosófica deve sempre ter a atenção do filósofo, pois qualquer
procedimento afoito ou sem planejamento pode causar tremores e abalos,
fragilizando mais ainda o terreno, ou mesmo desabando a estrutura em processo.
(...)
*Marta Claus
** Revista
Partilhas
Instituto Mineiro de Filosofia Clínica Ano IV,
n. 4, nov. 2017
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