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A palavra vertigem*

"O idioma está sempre em movimento, mas o homem, por ocupar o centro do redemoinho, poucas vezes percebe essa mudança incessante."                                          Octávio Paz Um ser irreconhecível se desdobra na expressividade fugaz. Seu aspecto de invasor ameaça o saber encastelado, seu ritmo alucinado de vivências subjetivas re_apresenta um devir quase esquecido. Ao pensar o impensável realiza uma excursão pela partícula de infinito desconsiderada. Sua ótica de incerteza desconstrói o mundo de uma só verdade.   Os sons murmurados nas entrelinhas apresentam o instante entre um e outro. Sua lógica de estorvo e o caráter de percepção excessiva denuncia espaços, alarga escutas, vislumbra imaterialidades. As associações desgovernadas esboçam um contato fugaz com o absurdo. Parece recordar que a vida não é definitiva. Sua estranha dialética é ser registro de uma ausência. Como um acesso de desrazão, seu teor de expressividade não cabe numa definição. Nas

O fio de Ariadne*

“Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio seu. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará”. (Cacique Seattle, da tribo Suquamish) Certos verbos não são encontrados em esquinas banais. Permanecem escondidos, se esgueirando por entre poças e becos, de onde observam os receptáculos em que intencionam se instalar e se (re)velar. São como sombras que ocultam do mundo o que ele já conhece, mas não ousa expressar. Porque a vida nem sempre abre suas portas para que as sutis e plenas entregas existenciais prevaleçam. Às vezes, ao contrário, a vida aposta em labirintos, na busca de ensaios e brechas por onde se espremem sonhos inconfessáveis. Sonhos de um desfazer, de isolamento, de uma perda que se esvai...como que exalando aquela sensação incômoda de que há algo fora do lugar, tal como uma nota dissonante ou uma cor fugidia da palheta inundada de nuances imprevisíveis. São tênues os fios que mantêm as estruturas estáveis e eles podem se romper

O Silêncio que fala Alto*

Querido leitor, aceite o meu fraternal abraço. Nos últimos anos, tenho procurado valorizar a simplicidade da vida, até de forma lúdica e ingênua, se é que dá pra falar assim. E o silenciar é um caminho tão intenso quanto profundo. Na verdade, para mim, o silêncio mostra muito. Ainda na infância lembro de dias silenciosos sem televisão, sem rádio, passávamos boa parte do tempo ouvindo e discernindo o cantar dos pássaros, se arrepiando com os sons uivantes do vento. Na tenra idade, marcou-me muito os poucos momentos em que esse silêncio era quebrado e um deles era quando o leiteiro de charrete tocava sua buzina avisando que estava passando e era a deixa para trocar a vasilha. Há poucos anos, precisamente em 2006, quando fiz o Caminho de Santiago pela primeira vez, tenho saudade dos dias inteiros em que fiz companhia para mim, em silêncio, ouvindo somente meus passos quando a bota arrastava no chão, ou até o toque o cajado dando o tom da caminhada, anunciando o ritmo da jorna

A Verdade *

A porta da verdade estava aberta, Mas só deixava passar Meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, Porque a meia pessoa que entrava Só trazia o perfil de meia verdade, E a sua segunda metade Voltava igualmente com meios perfis E os meios perfis não coincidiam verdade... Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta, Chegaram ao lugar luminoso Onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades Diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela E carecia optar. Cada um optou conforme Seu capricho, sua ilusão, sua miopia. *Carlos Drummond de Andrade

Como identificar alguém especial*

Nem todas as pessoas que cruzam por nossas vidas são iguais. Algumas vão se tornar muito importantes; outras vão passar e não deixarão nada, nem lembrança. Mas, de vez em quando, surge alguém com uma britadeira na mão, fura um buraco bem fundo em nossa frente, finca uma bandeira e mostra que veio pra ficar. Traz uma mala grande e pesada cheia de espontaneidade, paz, poesia, humor, amizade, companheirismo, amor e  se instala definitivamente em nossas vidas. Essas pessoas são especiais e difíceis de encontrar. Como identificá-las? Chegam de mansinho, por casualidade, sem aviso, sem cartão de visita, sem intenção ou obrigatoriedade de agradar. Não usam máscaras ou carapuças. Não são perfeitos e não fazem o menor esforço para se tornarem especiais, simplesmente são. Atrasam-se, dormem assistindo filmes, detestam ar condicionado, deixam queimar o risoto de limão siciliano, tem um dedo meio torto, mas são pessoas por quem vale a pena relevar os defeitos. Tornam nossos dias m

Uma certa arte*

A arte da perda é fácil de estudar: a perda, a tantas coisas, é latente que perdê-las nem chega a ser azar. Perde algo a cada dia. Deixa estar: percam-se a chave, o tempo inutilmente. A arte da perda é fácil de abarcar. Perde-se mais e melhor. Nome ou lugar, destino que talvez tinhas em mente para a viagem. Nem isto é mesmo azar. Perdi o relógio de mamãe. E um lar dos três que tive, o (quase) mais recente. A arte da perda é fácil de apurar. Duas cidades lindas. Mais: um par de rios, uns reinos meus, um continente. Perdi-os, mas não foi um grande azar. Mesmo perder-te (a voz jocosa, um ar que eu amo), isso tampouco me desmente. A arte da perda é fácil, apesar de parecer (Anota!) um grande azar. * Elizabeth Bishop

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