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Poética*

Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor. Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbedos O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare — Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. *Manuel Bandeira

O Estrangeiro*

Não suportamos os que são diferentes de nós porque têm a pele de cor diferente, falam uma língua que não compreendemos, porque comem rãs, macacos, porcos, alho, porque se fazem assim tão diferentes. Na vida, estamos sempre expostos ao trauma da diferença. Algumas vezes na existência, nos deparamos com situações que nos remetem ao olho do furacão, que nos deixam alienados de nossos quereres. Vamos vivendo nossa vida em compasso de espera, numa inércia de sentimentos, à mercê dos acontecimentos, onde o vazio afetivo se torna cotidiano. Habitamos nossa redoma de vidro, sem disposição ou coragem para correr riscos. Essa atitude de inércia desestabiliza nossas defesas, que foram construídas a ferro e fogo. Então, para desafiar nossos paradigmas, surge o estrangeiro, levantando simultaneamente o véu de nossa esperança e de nosso medo. Mas afinal, quem é esse estrangeiro? Consideramos estrangeiro, aquele indivíduo estranho a nós, não familiar, que nos instiga a reações incômo

O voo do pensamento*

“Estimam que se tudo passa, nada existe; e que se a realidade é mobilidade, ela já não é o momento em que a pensamos, ela escapa ao pensamento.” Henri Bergson   A distância entre o pensar e o refletir sobre um objeto é absolutamente necessária para se saber a medida que existe entre o que se pensa e o que se vê. Então, ver e pensar estariam juntos na mesma caminhada desse ato de imaginação? A reflexão que move essa proposta de pensar move as ideias, digo o que se pode olhar e pensar sobre o real, falo, sobre a teoria do que se nomeia como real, o que está no objeto, mas o que penso nem sempre é o que está lá fixo no objeto, mas nem por isso, ver e pensar é a garantia de que algo real existe neste ato de pensar. A imaginação é o momento em que o fenômeno sobre o estado das coisas se torna um pouco mais palpável: o que se imagina é o que está por trás do pensar, a ideia é ir além dos conceitos. Ainda ontem embaralhei as cartas do pensar, o dilema entre ir à fenomenologia para d

A palavra equilibrista*

O papel existencial do Filósofo Clínico, dentre outras características, se apresenta numa busca para vislumbrar, adequadamente, a distinção entre questões de periferia e o constructo_causa, estruturante dos desdobramentos existenciais. Nesse contexto de uma historicidade por vir, diante das imprevisibilidades possíveis, também reivindica-se um equilíbrio a gerenciar situações limite.  Ao deslocar-se pelos conteúdos da interseção, o terapeuta pode ter de elaborar um chão nas alturas. Para atualizar o olhar dos movimentos da subjetividade, pode ser necessário qualificar a leitura da estrutura que vê, encontrar um ponto de apoio às oscilações da crise precursora. Essa dialética acolhe, investiga, traduz diversidades, num espaço onde necessita viver, conviver, sobreviver. Essa noção de uma inspiração singular, pode aparecer numa pluralidade irrealizada. Sua fonte de não-saber, como carência ou necessidade, institui uma conversação sobre as origens.   Com a lógica equilibrista tr

O livro sobre nada*

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez. Tudo que não invento é falso. Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira. Tem mais presença em mim o que me falta. Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário. Sou muito preparado de conflitos. Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou. O meu amanhecer vai ser de noite. Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção. O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo. Meu avesso é mais visível do que um poste. Sábio é o que adivinha. Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições. A inércia é meu ato principal. Não saio de dentro de mim nem pra pescar. Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore. Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma. Peixe não tem honras nem horizontes. Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando nã

Um Banquinho...*

Durante a Feira do Livro vem, de repente, aquela necessidade de escrever. Ou de reescrever o que já foi.... Lembro-me. Sentávamos no banquinho da praça. Um em cada cantinho. Quase de costas um para o outro. Habitava-nos a ingenuidade. A inocência fazia os corações se darem as mãos. Assim era o primeiro amor... O primeiro amor é muitas vezes aquele que não aconteceu. Ao mesmo tempo é aquele que, de maneira nenhuma, não deveria não ter acontecido.Mas não aconteceu, é fato. E por isso continua. Continua pela sua ausência. O primeiro amor é o da eternidade. Este primeiro é o amor que não deveria ter declinado, Mas ele se perdeu por aí. Se perdeu ficando. Esqueceu-se de si e curou-se, momentaneamente. E agora...? Vive-se a ilusão de que não é mais o mesmo amor. Não faria mais o que teria feito outrora. Ou será que faria melhor? Aquele primeiro amor não teria conhecido limites, perigos ou vergonhas. Se precipitaria em penhascos. Subiria ao cume das mais altas mont

O guardador de rebanhos*

Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estações A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente Vem sentar-se a meu lado. Mas eu fico triste como um pôr de sol Para a nossa imaginação, Quando esfria no fundo da planície E se sente a noite entrada Como uma borboleta pela janela. Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. Como um ruído de chocalhos Para além da curva da estrada, Os meus pensamentos são contentes. Só tenho pena de saber que eles são contentes, Porque, se o não soubesse, Em vez de serem contentes e tristes, Seriam alegres e contentes. Pensar incomoda como andar à chuva Quando o vento cresce e parece que chove mais. Não tenho ambições nem desejos Ser poeta não é uma ambição minha É a minha maneira d

Expressividades*

Versos e prosas exprimem a vida por caminhos de métricas e contornos incertos demais, forjados em palavras capazes de acompanhar as curvas do pulso e do impulso provocados pelo contato de corpos, de almas e de entes sublimes da natureza. E cada momento sentido é parcela da vida que é um milagre sempre agora convidando-nos a transcender através de um começo que reside na coragem de sentir, viver e mudar o que for preciso. Porventura, somos autênticos espelhos do modo como merecemos ser tratados, pois isso será sempre reflexo do modo como tratamos cada pessoa com a qual mantemos contato. Na nossa capacidade de permitir, tolerar, persistir e libertar habita a esperança e a concretude de que tudo dará certo bastando seguir em frente. E tudo fica melhor, certamente, quando conseguimos escolher diante da multidão, um rosto que na verdade é uma flor que toda vez que sorri, desabrocha fazendo um novo poema surgir no horizonte. E é esse sorriso dela que vai tornando cada dia mais bonito nu

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