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O Presente Inexistente*

Nunca nos detemos no momento presente. Antecipamos o futuro que nos tarda, como para lhe apressar o curso; ou evocamos o passado que nos foge, como para o deter: tão imprudentes, que andamos errando nos tempos que não são nossos, e não pensamos no único que nos pertence; e tão vãos, que pensamos naqueles que não são nada, e deixamos escapar sem reflexão o único que subsiste.  É que o presente, em geral, fere-nos. Escondemo-lo à nossa vista porque nos aflige; e se nos é agradável, lamentamos vê-lo fugir. Tentamos segurá-lo pelo futuro, e pensamos em dispor as coisas que não estão na nossa mão, para um tempo a que não temos garantia alguma de chegar. Examine cada um os seus pensamentos, e há-de encontrá-los todos ocupados no passado ou no futuro. Quase não pensamos no presente; e, se pensamos, é apenas para à luz dele dispormos o futuro. Nunca o presente é o nosso fim: o passado e o presente são meios, o fim é o futuro. Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver; e, preparando-n

Quando não penso*

Não me preocupo com rima e métrica sigo meu coração e alma brinco de ser poeta não me segurem e me ditem regras escrevo como quero sem perder meu Eros Apolo que me perdoe Dioniso eu sigo é quando não penso que a poesia me brota não faço esforço brinco com as palavras e me lambuzo de inspiração esvazio meus pantanais *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Escritora, Poetiza, Filósofa Clínica. Juiz de Fora/MG

Que Todos os Dias Sejam Dias de Amor*

João Brandão pergunta, propõe e decreta: Se há o Dia dos Namorados, por que não haver o Dia dos Amorosos, o Dia dos Amadores, o Dia dos Amantes? Com todo o fogo desta última palavra, que circula entre o carnal e o sublime? E o Dia dos Amantes Exemplares e o Dia dos Amantes Platônicos, que também são exemplares à sua maneira, e dizem até que mais? Por que não instituir, ó psicólogos, ó sociólogos, ó lojistas e publicitários, o Dia do Amor? O Dia de Fazê-lo, o Dia de Agradecer-lhe, o de Meditá-lo em tudo que encerra de mistério e grandeza, o Dia de Amá-lo? Pois o Amor se desperdiça ou é incompreendido até por aqueles que amam e não sabem, pobrezinhos, como é essencial amar o Amor. E mais o Dia do Amor Tranqüilo, tão raro e vestido de linho alvo, o Dia do Amor Violento, o Dia do Amor Que Não Ousava Dizer o Seu Nome Mas Agora Ousa, na arrebentação geral do século? Amor Complicado pede o seu Dia, não para tornar-se pedestre, mas para requintar em sua complicação cheia

Filosofia no cotidiano!*

Filosofia no Cotidiano parece ser uma frase paradoxal, pois filosofia e cotidiano não parecem fazer parte da mesma ideia. Filosofia é exatamente aquilo que não se faz no cotidiano. Filosofia no sentido de um exercício de pensamento radical, e radical em dois sentidos: no de ir até a raiz das questões e no sentido de sair do centro e passar a radial que delimita o círculo. Ou seja, um exercício de pensamento que é excêntrico e extra-ordinário.  E cotidiano é exatamente aquilo que é lugar-comum, ordinário, mais-do-mesmo, “mesmice”, enraizador e não radical. A proposta, então, de uma filosofia no cotidiano é, dentro do ordinário e do mais-do-mesmo, plantar uma semente de pensamento radical para pensar com crítica aquilo que é dado como certo, natural e irretocável.  Dentro desse espaço que é o cotidiano, há emoções, mas não são suficientes para que haja desacomodação. Pois cotidiano é acomodação, segurança. Há alegrias, mas não que nos exceda; há tristezas, mas não o suficien

O Desejo de Criar*

Diotima: Qual é, Sócrates, na sua opinião, a causa deste amor, deste desejo? Você já observou em que estranha crise se encontram todos os animais, os que voam e os que marcham, quando são tomados pelo desejo de procriar? Como ficam doentes e possuídos de desejo, primeiro no momento de se ligarem, depois, quando se torna necessário alimentar os filhos? (... ) Tanto no caso dos humanos como no dos animais, a natureza mortal busca, na medida do possível, perpetuar-se e imortalizar-se. Apenas desse modo, por meio da procriação, a natureza mortal é capaz da imortalidade, deixando sempre um jovem no lugar do velho.  [... ] Pois saiba, Sócrates, que o mesmo vale para a ambição dos homens. Você ficará assombrado com a sua misteriosa irracionalidade, a não ser que compreenda o que eu disse, e reflita sobre o que se passa com eles quando são tomados pela ambição e pelo desejo de glória eterna. É pela fama, mais ainda que pelos seus filhos, que eles se dispõem a encarar todos os riscos, su

A palavra inesperada*

Uma suspeita de imensidão aprecia os deslizes da palavra refugiada na palavra. Ponto de fuga em subterfúgios de especulação, ao exibir renúncias de ser previsível, amplia o mundo das possibilidades.       A admissão compreensiva desses desvãos se oferece no acolhimento de um talvez. Uma de suas características é o descompromisso em sustentar verdades a qualquer preço. Seu estado de espírito sobressaltado, qualifica deslocamentos pela arquitetura subjetiva de um mundo fatiado. Aqui o vislumbre repentino das pequenas coisas permite o acesso as zonas de exclusão.    Por esses episódios a perder de vista, um teor extemporâneo pode desconstruir as fronteiras conhecidas. Seu saber ameaça os fundamentos conhecidos daquilo que se tinha definitivo. Nesse viés de aparência deslocada anuncia novos horizontes, esparrama indícios de originalidade para se fazer ciência.   O discurso imprevisível onde ela se esboça, procura inseri-la num contexto de notícia compartilhável. Mesmo assim,

O Mapa*

Olho o mapa da cidade Como quem examinasse A anatomia de um corpo... (É nem que fosse o meu corpo!) Sinto uma dor infinita Das ruas de Porto Alegre Onde jamais passarei... Há tanta esquina esquisita, Tanta nuança de paredes, Há tanta moça bonita Nas ruas que não andei (E há uma rua encantada Que nem em sonhos sonhei...) Quando eu for, um dia desses, Poeira ou folha levada No vento da madrugada, Serei um pouco do nada Invisível, delicioso Que faz com que o teu ar Pareça mais um olhar, Suave mistério amoroso, Cidade de meu andar (Deste já tão longo andar!) E talvez de meu repouso... *Mário Quintana

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